O nascimento de um filho como momento de ruptura na vida de um casal. Uma criança desejada, mas diferente. Nas palavras do pai, na tímida tentativa de explicar para os conhecidos, nos primeiros meses, uma criança com “um pequeno problema. Ele tem mongolismo.” De início, o estranhamento, e o pai assume que a urgência não é resolver o tal problema da criança — haveria algo a ser resolvido? —, mas o espaço que o filho ocupará na própria vida.
E a criança o ocupa, ocupará pelo resto da vida. Num livro corajoso, Cristovão Tezza expõe as dificuldades, inúmeras, e as saborosas pequenas vitórias de criar um filho com síndrome de Down. O périplo por clínicas e consultórios médicos numa época em que o assunto não era tão estudado e ainda tinha o véu do misticismo, a tensa relação inicial com a mulher. “Numa das crises, ela lhe diz, no desespero do choro alto: Eu acabei com a tua vida. E ele não respondeu, como se concordassse — a mão que estendeu aos cabelos dela consolava o sofrimento, não a verdade dos fatos.”
Aproveita as questões que apareceram pelo caminho nestes 26 anos de Felipe para reordenar sua própria vida: a experimentação da vida em comunidade quando adolescente, a vida como ilegal na Alemanha para ganhar dinheiro, as dificuldades de escritor com trinta e poucos anos e alguns livros na gaveta, a pretensa estabilidade com o cargo de professor em universidade pública.