22 de outubro de 2021

A última invenção do passado

Por Felipe Maciel

Se você pudesse alterar o passado, o que faria? Mudaria o curso da história, buscaria a autopromoção ou resgataria a chance de ser feliz?

As maiores novidades: uma viagem no tempo (mapa lab), de Marcelo Ferroni, está chegando agora às livrarias e o tema central é como as pessoas se comportam quando têm em mãos uma tecnologia disruptiva. Tão revolucionária quanto precária.

O texto de contracapa sugere que “‘As maiores novidades’ leva o leitor ao cerne da tomada de decisões frente às incertezas, e mostra como cada profissional, sob condições extremas, expõe o melhor da natureza humana.” Mas, cuidado, há ponto de ironia. O mundo civilizado é brutal e este sci-fi se transmuta em uma análise do mundo corporativo e toca sem dó em questões como a crueldade e a fragilidade humana.

A obra contará também com um conteúdo expandido. Será disponibilizada em breve uma microssérie no Spotify de quatro episódios que repercute os fatos posteriores aos narrados no livro.

Confira a entrevista exclusiva com o autor sobre o lançamento:

  1. Você pode nos contar sobre seu processo de pesquisa e escrita de As maiores novidades? Como surgiu a ideia do livro e quando ele foi escrito?

Comecei a escrever o livro em agosto de 2019, antes mesmo de qualquer notícia sobre a pandemia. Minha ideia inicial era partir de um tema comum da ficção científica, a volta no tempo, e tentar trabalhar os elementos de uma forma diferente, sob uma ótica própria. Na época, as ideias principais da história ainda estavam vagas, cheguei a começar várias histórias diferentes antes de acertar o tom e o pano de fundo. Ao mesmo tempo, lia sobre o assunto, tanto do ponto de vista da ficção, como do lado da ciência.

A ideia de que o celular se conectasse com o passado veio daí, dessa mescla de leituras: uma ação acidental, que abre uma possibilidade fantástica sob o ponto de vista da ciência, mas que, claro, vai ser mal aproveitada pela corporação.

A versão inicial tinha apenas vinte páginas. Era um conto denso, cheio de estranhamento, em que era difícil entender quem era quem na corporação, e o que de fato estava acontecendo com o celular. Por sugestão da minha editora, expandi para um formato maior, que fica entre a novela e o romance.

  • O romance é repleto de referências ao universo pop a começar pelo projeto gráfico que remete aos jogos de videogame. Poderia comentar essas referências no romance?

O romance deve muito a esse emaranhado de referências pop da viagem no tempo. Na literatura, no cinema, nos quadrinhos, isso foi explorado de quase todas as formas possíveis. A ideia, por exemplo, de voltar ao passado para matar Hitler (e que, em As maiores novidades, passa por um momento na cabeça do CEO) é o mote de uma dezena de histórias. O que eu quis fazer foi juntar essa “herança”, essa mistura de referências a que fomos expostos, e tentar retrabalhar nela de uma forma pessoal.

A capa tem elementos de um jogo de videogame, mas de um jogo passado pelo pesadelo. Como se a gente tivesse jogado o mesmo jogo o dia inteiro e, ao sonhar, ele voltasse fragmentado e assustador.

  • Ainda sobre cultura pop, seu primeiro romance, Método prático da guerrilha, é uma sátira sobre Che Guevara, um ícone pop. Em 2020, você publicou o romance Corpos secos, uma distopia povoada por zumbis. Desta vez, você escreve sobre um objeto, o celular Challenger Ten, capaz de promover uma viagem no tempo. O que há em comum entre essas obras? O que o motiva a explorar temas e personagens já consagrados pela literatura e o audiovisual?

Eu tenho essa tendência a pegar um tema batido, usado e reusado, e tentar tirar algo próprio, particular, dele. Eu não diria que tento algo “diferente”, muito menos “novo”, porque talvez tudo já tenha sido dito sobre alguns desses temas. Fiz um policial, por exemplo, baseado na fórmula do crime de quarto fechado, e sabemos que há uma gama finita, e aliás bastante pequena, de possibilidades de se resolver um crime de quarto fechado. Mesmo assim, eu quis fazer, e trabalhar nisso sob um olhar próprio. Com o Che foi a mesma coisa, assim como os zumbis, ou corpos secos, livro no qual trabalhei com outros três escritores.

  • O novo romance pode ser definido como um Sci-Fi? Qual seu interesse pelo gênero? Quais referências deste gênero você buscou para criar As maiores novidades?

Eu diria que é um romance sci-fi de um escritor visitante, não residente. Cresci com ficção-científica, terror, aventura, me bombardeado em todas as histórias a que tinha acesso. Isso faz então parte da minha formação. Mas não me coloca como um “autor de sci-fi”, porque meu conhecimento não é do especialista.

  • Outro aspecto importante na obra é o bastidor corporativo de uma multinacional de tecnologia. Diante de um erro de projeto do celular Challenger Ten, acompanhamos o jogo de empurra entre executivos e funcionários e a busca por culpados.  O mundo civilizado é também mais cruel?

A gente pode pensar no mundo civilizado sob o ponto de vista das viagens aéreas, do micro-ondas, do teflon e do desenvolvimento de vacinas. O bastidor corporativo não pertence a nenhuma dessas categorias; é um espaço para o comportamento humano primal. Assim como o das crianças isoladas na paradisíaca ilha do nosso velho conhecido William Golding, escritor e professor de escola primária.

  • Em As maiores novidades, vamos conhecendo pouco a pouco o drama pessoal de alguns personagens enquanto eles debatem imersos em reuniões possíveis soluções para o Challenger Ten. Como você enxerga o embate entre as crises pessoais de cada indivíduo e a impessoalidade do mundo corporativo?

            Num ambiente de estresse e competição corporativo, as pessoas no romance procuram tomar atitudes que resolvam seus problemas imediatos, ou seja, jogam o problema no colo de outra pessoa. Elas deixam de pensar como mulheres e homens responsáveis e incorporam essa impessoalidade, tentam sumir nas engrenagens do sistema para não levar a culpa. E isso cria um novo problema, porque elas demoram a perceber o que está sendo arquitetado às suas costas.

  • O livro é pautado por diálogos ágeis, ácidos e, muitas vezes, bem engraçados. Poderia comentar sobre esse aspecto da sua escrita?

Eu tento fazer diálogos que são curtos, às vezes ágeis, mas que nem sempre sejam cristalinos. As pessoas nas minhas histórias muitas vezes não se entendem totalmente, apesar de trocarem muitas informações entre si. Penso que esse é o princípio universal do diálogo: o emissor pode ser claro, pode ser direto, pode falar algo simples e sem nuances, e mesmo assim o receptor vai entender o oposto do que foi dito. Nesse sentido, não acredito no uso do diálogo como forma de resolver problemas ou esclarecer questões.

  • Para finalizar, a editora mapa lab busca desenvolver conteúdos expandidos de seus livros. No caso de As maiores novidades, serão produzidos quatro episódios de podcasts de ficção. Como serão esses episódios e de que forma eles se relacionam com o livro?

Estávamos pensando em formas diferentes de fazer a divulgação para o livro, em algo que saísse do modo tradicional de um brinde ou um banner. Tivemos a ideia de criar uma trama paralela, uma “expansão de conteúdo”, que complementa, e de certa forma continua, a história do romance. Em quatro episódios, contamos a história, por meio de depoimentos de pessoas a um podcast ficcional, do que está acontecendo no mundo depois dos eventos descritos em As maiores novidades. O podcast vai ficar disponível de graça, nos principais meios de download, e espero que funcione. Pelo menos, foi divertido de fazer.


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