
“Crio a partir de angústias, de assombros, de becos em que me encontro e dos quais só posso escapar elaborando alguma coisa a partir da escrita.”, reflete a escritora curitibana em entrevista exclusiva ao site da Agência Riff
Por Felipe Maciel
Giovana Madalosso é a autora entrevistada do mês da Agência Riff! E não falta assunto para conversar com a escritora paranaense, que estreou na literatura em 2016 com o livro de contos A teta racional (Grua) e hoje desponta como um dos nomes mais relevantes da literatura brasileira contemporânea.
Destaque da Flip 2025, ela acaba de publicar seu terceiro romance, Batida só (Todavia), e desfruta de um momento literário profícuo: a estreia de Suíte Tóquio nos Estados Unidos foi reconhecida pelo The New York Times e celebrada pela influenciadora literária Courtney Henning Novak; e o lançamento de sua nova ficção vem chamando a atenção de leitores e da crítica com uma narrativa embriagada por temas como saúde, fé, mortalidade e cura emocional.
Sua trajetória ganha forma também no ativismo literário. Como uma das idealizadoras do movimento “Um Grande Dia para as Escritoras”, Giovana protagonizou ao lado de Natalia Timerman e Paula Carvalho a série de fotos históricas que reuniu mais de 2.300 escritoras pelo Brasil e pelo mundo. A ação virou documentário, livro e podcast e se tornou uma inspiração para mulheres dos mais diversos cantos do país.
Ela marca presença na programação oficial da Flip na Mesa 10 – “Tudo que desabrocha”, ao lado da quadrinista Liv Strömquist, na sexta-feira, 1º de agosto, às 15h, um encontro que promete escavação íntima das urgências da escrita feminina.
Giovana Madalosso segue afirmando que é essencial colocar as mulheres na centralidade da literatura — e, com sua escrita precisa, sensível e instigante, constrói uma obra que pulsa no coração dos leitores e da transformação social.
Confira a seguir a entrevista exclusiva da autora:
1 – Batida Só é seu terceiro romance e chega em um momento simbólico — Flip 2025, elogios internacionais a Suíte Tóquio e quase uma década desde sua estreia com “A Teta Racional”. Olhando pelo retrovisor, como você avalia sua trajetória como escritora?
Venho colhendo os frutos de uma vida inteira escrevendo. Mesmo que meus livros não tivessem êxito, eu estaria escrevendo porque não sei viver de outra maneira. O que vejo pelo retrovisor é uma escritora foi crescendo pelo seu esforço contínuo (quase doentio) e também pela resposta positiva do público. A cada livro bem recebido, eu ganho mais coragem para crescer contra a folha em branco.
2 – Na Folha de S. Paulo, você relatou como uma cena cotidiana — uma mãe ajustando lenço na cabeça da filha em tratamento oncológico — mudou seus planos sobre o próximo livro. Como essa experiência influenciou a criação de Batida Só, especialmente ao abordar temas relacionados ao espanto com a finitude da vida e a fé?
Eu estava escrevendo um romance sobre menopausa quando fui atropelada pela vida. Minha filha foi diagnosticada com uma doença que precisava de tratamento. A partir daí, passei a frequentar hospitais e observar outras mães de crianças com patologias mais graves. Essa dor de ver o filho adoecer e não poder fazer nada ou quase nada me impactou muito. Eu voltava para escrever sobre a menopausa e tudo parecia irrelevante perto da degeneração do corpo, da busca pela fé, do desespero em lidar com a perspectiva da morte.
Um dia, ao ver uma mãe arrumando o lenço na cabeça de uma menina que fazia quimioterapia, comecei a chorar. Entendi essa emoção como um sinal: era sobre o que eu estava vivendo e observando que deveria escrever. Às vezes, um escritor precisa se render aquilo que o seu corpo pede para ser escrito.
3 – Sua jornada literária inclui livros marcantes: A Teta Racional, Tudo Pode Ser Roubado, Suíte Tóquio e agora Batida Só. Há traços que se conectam ou evoluem em cada obra? Para você, há um elo em comum entre eles? O que te move a escrever, a começar uma nova história do zero?
Acho que a questão anterior responde um pouquinho esta pergunta. A decisão do que escrever nunca vem da escolha de uma pauta, nunca é algo que se estabelece de forma tão racional ou por demandas externas. Crio a partir de angústias, de assombros, de becos em que me encontro e dos quais só posso escapar elaborando alguma coisa através da escrita.



4 – Você é uma das idealizadoras do movimento “Um Grande Dia para as Escritoras”, que registrou mais de 2 mil autoras em mais de 50 cidades do país e no exterior. A iniciativa foi capa de jornal, virou livro, podcast. De que forma você enxerga a possibilidade de agir pela visibilidade das mulheres na literatura? Como avalia hoje a presença feminina na literatura brasileira?
De um lado, podemos celebrar: nos últimos anos, as escritoras ganharam muito mais espaço nos catálogos. Por outro lado, em relação à raça, a diferença prossegue grande. Sem falar que o mercado literário segue centrado na região Sudeste, o que nos dá uma ideia muito limitada de Brasil.
O que o movimento “Um Grande Dia para as Escritoras” mostrou – e que nem nós sabíamos – é que, apesar da desigualdade de tarefas domésticas e da falta de tempo, as mulheres escrevem muito. E em todos os cantos. As fotos que tiramos, de dezenas de escritoras em praças e escadarias com seus livros em punho, inclusive em cidades minúsculas, atestam que produção diversa é o que não falta. Onde estão esses livros? Por que nossos catálogos ainda não contemplam a riqueza de tantos Brasis?
5 – Os temas da maternidade, do corpo e do desejo feminino são presentes em sua escrita, mas há também um componente político, que olha para as relações sociais, a construção de um espaço coletivo como ato de afirmação. Até que ponto a experiência individual é também coletiva?
A experiência individual fala sobre o ser humano. E quando falamos do ser humano, falamos do coletivo.
6 – Batida Só acaba de chegar aos leitores brasileiros e a Flip está logo ali. Suíte Tóquio segue reverberando. Como é viver esse “agora”?
Às vezes, estou andando na rua e, ao pensar nos meus livros em outros países, começo a rir. Eu nunca imaginei que iria tão longe.



