22 de maio de 2023

O fascínio pela palavra

Em entrevista exclusiva, Pedro Jucá avalia a boa receptividade de seu primeiro livro, “Coisa Amor”, analisa sua relação com a palavra escrita e comenta os próximos passos na carreira literária.

Por Felipe Maciel

A experiência humana em sua radicalidade e profunda solidão em contraponto à potência da palavra e sua possibilidade, ainda que precária, de criar algum sentido e conexão.

Pedro Jucá debutou na literatura com o livro Coisa Amor, obra que reúne 15 contos e conquistou uma das maiores pré-vendas da história da editora Urutau, além de uma recepção auspiciosa na imprensa. O livro será lançado em São Paulo  na Livraria Mandarina (R. Ferreira de Araújo, 373 – Pinheiros), no dia 10 de junho, a partir das 16h.

Formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Jucá é Procurador do Estado do Paraná, mas se divide também entre a literatura e a psicanálise. Entre as três áreas do conhecimento, há em comum a palavra.

“É pela palavra meu grande fascínio. Ela é o distintivo essencial do que é humano, é ela quem denuncia nossa solidão absoluta – só se faz ponte entre partes que não compõem todo – e é ela quem, ao mesmo tempo, ainda que de maneira tão precária – é tudo o que a gente tem –, nos permite fazer laço e conexão. Ou, ao menos, se demorar um pouco mais nessa ilusão.”, aponta o autor.

No livro, o escritor investiga temas inesgotáveis e de alcance universal: a memória, a infância, o sexo e o desejo, o amor, a solidão, as perdas, as relações familiares, o Inconsciente, a crueldade humana, sua fragilidade, sua baixeza e sua sublimidade; a arte.

 Nesta entrevista, ele também comenta, em primeira mão, seus próximos passos na carreira literária. Confira!

1- Como surgiu o livro Coisa Amor (Urutau)? Quais temas buscou abordar nesta obra que marca a sua estreia como autor?

O Coisa Amor reúne histórias antigas e novas, escritas ao longo de mais de 15 anos. Apesar do longo decurso de tempo, acredito que haja uma integridade no livro, e ela advém da origem comum dos textos: questões minhas – questões humanas –, agora esteticamente elaboradas sob a roupagem de uma narrativa ficcional.

E é assim que surgem os fios-condutores do livro. São temas que tocam aquilo que temos de mais radicalmente humano – nos dois sentidos: tanto de extremidade, de limite, quanto de início, de raiz.

Se eu tivesse que destacar os principais temas abordados, pontuaria a memória, a infância, o sexo e o desejo, o amor, a solidão, as perdas, as relações familiares, notadamente aquelas entre pais e filhos – mães e filhos –, a loucura, o Inconsciente, o corpo, a crueldade humana, sua fragilidade, sua baixeza e sua sublimidade, o belo e o grotesco, a arte etc. Enfim, só coisinha leve (risos).

2- Como funciona o seu processo de escrita? Você mantém uma rotina específica para escrever?

Sou muito metódico e rigoroso. Inspiração acontece, claro, mas ela nunca é condição suficiente para a escrita. Escrever é ofício. Por outro lado, confio muito na sabedoria do Inconsciente – que é, enfim, a sabedoria da própria linguagem. Existe nele uma danação (condenação e traquinagem), e é bonito ver o que surge disso.

Em termos mais pragmáticos, tanto no Coisa Amor, como no romance (ainda inédito), me propus a escrever de domingo a domingo, fazendo chuva ou sol, no tempo que sobrava. Raras vezes escrevi mais de três horas seguidas – mas escrevia todo dia.

O importante é a constância e o longo prazo. Com a escrita, corro maratonas, não corridas de tiro.

3- Além de sua atividade literária, você também trabalha como Procurador do Estado do Paraná e tem um conhecimento amplo de Psicanálise. Para você, como se dá o diálogo entre a Literatura, o Direito e a Psicanálise?

Olha, “amplo” talvez seja um generoso exagero (risos). Meu percurso na Psicanálise passou, sim, por uma formação técnica – e, claro, antes disso, por uma análise pessoal –, mas nunca cheguei a clinicar, e isso já faz anos.

Eu flerto com esses três campos do saber desde jovem. Direito, Literatura ou Psicanálise: o traço comum é a palavra, e é pela palavra meu grande fascínio. Ela é o distintivo essencial do que é humano, é ela quem denuncia nossa solidão absoluta – só se faz ponte entre partes que não compõem todo – e é ela quem, ao mesmo tempo, ainda que de maneira tão precária – é tudo o que a gente tem –, nos permite fazer laço e conexão. Ou, ao menos, se demorar um pouco mais nessa ilusão.

4- Chama atenção em seu livro o trabalho minucioso com a linguagem e a variação de estilos narrativos.  Em sua opinião, a forma determina o próprio conteúdo?

Assim, de chofre, eu diria que Literatura é, acima de tudo, forma. Não é exatamente o que se diz, mas como se diz.

Não que seja necessário rebuscamento ou hermetismo para que um texto seja bom – textos como o de A Cachorra, da Pilar Quintana, ou Desonra, do Coetzee, são profundíssimos em sua simplicidade – mas, se se prescindir da forma, o que há de literário se desfaz.

O Coisa Amor é um livro meio anfíbio. Existem histórias em que o texto é mais opaco, em que a mídia – o meio, o instrumento – quase que se coloca entre a história e o leitor, e foi proposital. Sob outro ângulo, há textos em que a prosa é mais translúcida, mais discreta, menos arredia. Nessas situações, minha intenção era fazer que a história saltasse para o primeiro plano, abrindo trilhas para garantir que o leitor entrasse na clareira – no coração da história – sem, antes, precisar se arranhar com os espinhos da floresta.

5- Como avalia a recepção ao seu primeiro livro até o momento? E quais seus próximos planos para a sua carreira literária?

Avalio a recepção como fenomenal (risos). Brincadeiras à parte, o que acontece é que raramente chegam até o autor opiniões muito negativas sobre o livro. Quem gostou é generoso de vir comentar – quem não gostou, magnânimo de não compartilhar as impressões. O Coisa Amor pode ser um pouco duro, pesado, mas essa era a intenção. Não a do choque gratuito, mas a da cutucada psicológica. Não vai agradar a todo mundo.

 Quanto aos planos futuros (e presentes!): atualmente tenho escrito crônicas para o Curitiba Cult, um dos maiores portais de cultura do Paraná, e tem sido uma revolução para mim. É muito instigante falar de fatos e impressões da minha vida cotidiana – tomo as crônicas como não-ficção –, mas, como há um prazo, preciso me resignar com a ideia de que haverá, sim, textos não tão bons. Paciência. Faz parte do processo.

 E last, but not least, estou com um romance escrito. Está pronto, e estamos, eu e a Agência Riff, à procura de editora. É, como não poderia deixar de ser, um romance sobre família. Na minha cosmogonia pessoal, a origem do universo é clara – embora, nem por isso, menos misteriosa: se é na (da) família que o desejo se fia e se (entre)tece, é dela que surge a própria trama da vida. Se o Coisa Amor talvez tenha dado mais destaque às relações diretas, sobretudo entre pais (mães!) e filhos, aqui, no Romance, o foco principal parece ter recaído no parentesco colateral, como irmão-irmã e, sobretudo, tio-sobrinho. É, eu poderia dizer, um romance avuncular.

É curioso porque, quando me veio a palavra que usei acima – colateral –, logo percebi a jogadinha do Inconsciente comigo – olha lá ele de novo, fazendo danações. Colateral é uma palavra plurívoca. O significante tem, sim, o sentido jurídico que apontei, mas, além dele, se desvela um outro significado, aliás muito mais corrente na linguagem cotidiana: o de um evento aparentemente secundário, mas que pode ter efeitos devastadores (como em efeito colateral, dano colateral etc.). E, no final, o romance trata um pouco disso: das extensões daninhas, mas também constitutivas, indeléveis, que o trauma, por excelência vivido durante a infância, pode impor sobre toda a nossa vida. Na epígrafe, versos de Louise Glück: olhamos para o mundo uma única vez, na infância. O resto é memória (“We look at the world once, in childhood. The rest is memory”, no original).

Em resumo, a história começa com o retorno de Marcelo à vila natal de Ourives, para ajudar a cuidar do pai em estado terminal. Ao chegar ali, é recebido por Inês, sua irmã, com violência física e pavor. A partir daí, voltamos no tempo para entender como a relação se formou e se deteriorou. Tempo, aliás, é um dos principais motivos do livro.

Tentando colocar de uma forma mais elegante: trata-se de um romance de formação acerca das nuances e complexidades das relações familiares, da potência inesgotável do trauma e, acima de tudo, das inapagáveis marcas da infância sobre a concepção do desejo, da sexualidade e da própria passagem do tempo. O trecho seguinte talvez revele um pouco da tônica do livro:

“Família é brutal. Arena de touros, rinha de cães. Ceitil de civilização, refinada barbárie. Gérmen de todo amor, todo cuidado, toda compaixão, paragem última de todo ódio, todo medo, toda morte. Dela, começo e fim da marca humana: que outro bicho conhece a vingança? Que outro animal se apraz na dor?”.


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