
Em 20 de setembro de 2018, a escritora e roteirista Fernanda Young e a atriz e escritora Maria Ribeiro se encontraram no restaurante CT Boucherie, no Rio de Janeiro para conversar sobre um novo projeto artístico que uniria dois grandes talentos. A afinidade entre elas era evidente, transparecia até mesmo na forma como se vestiam e duraria até a morte repentina de Fernanda, em agosto do ano seguinte.
O encontro foi promovido para discutir o interesse de Maria em adaptar o livro “Pós-F” para os palcos. Também participaram do almoço as editoras Martha Ribas e Isabel Aleixo, que estavam à frente do projeto editorial na Leya, além de Eugênia Ribas-Vieira, agente literária, editora e amiga próxima de Fernanda.
“Pós-F” havia sido lançado recentemente pela editora, em edição conjunta de Eugênia com Isabel, e nasceu de uma proposta ousada: escrever uma obra sobre feminismo com o olhar provocador e politicamente incorreto que marcou a trajetória da autora.
Quase seis anos depois, Maria Ribeiro — hoje também representada pela Agência Riff — e Eugênia retomam esse capítulo em uma conversa transmitida ao vivo no Instagram do @amora_livros, no dia 16 de julho, às 19h. A ocasião celebra a nova edição de “As chatices do amor” (Editora Record) e presta uma homenagem à escrita afiada, à liberdade criativa e ao humor irresistível de Fernanda Young.
Eugênia também escreveu um texto exclusivo sobre esse momento marcante: um retrato afetivo e cheio de memória da tarde que selou essa conexão criativa. Confira a seguir:
De festa e de fim
Por Eugênia Ribas-Vieira
É de sonho e de pó – nos sussurra Elis Regina. A música está baixa, um segredo cantado – murmura Fernanda Young.
E eu penso: vivo mesmo dentro de um sonho, sentada ao lado dela, a Fernanda Young, a quem tanto admiro. Sou sua agente literária agora. Nesse livro, “Pós-F”, sou também sua editora, ao lado de Isabel Aleixo, que chega para o almoço.
Na mesa, está a Maria Ribeiro. Noto sua camisa rasgada. Fernanda também veste uma, igualmente rasgada. Eu jamais teria coragem de usar algo assim – mas elas têm. Estão em perfeita sintonia: na roupa, no pedido (bife com batatas fritas), na taça delicada de champanhe. Brindamos ao lançamento de “Pós-F”. Maria sonha em transformá-lo em peça de teatro.
Acho que, naquele almoço, elas pensam juntas. Duas imagens refletidas num mesmo espelho, desdobradas, mas, essencialmente, uma só.
Martha Ribas chega. Conversamos sobre o livro. Fernanda começa a criticá-lo, a rir de si mesma, a implicar comigo por certas escolhas que fiz. Maria intervém, encantada: “Eu quero pra mim isso que vocês têm.”
Tudo parece emoldurado por esse sonho. Pelos espelhos, sobretudo, espalhados pelas paredes do CT Boucherie. Os espelhos também me lembram, agora, o livro “Redoma de Vidro”, de Sylvia Plath, que se anunciava, como presságio, naquela plácida tarde no Leblon.
Aquele encontro de almoço no Leblon escapa, finalmente, ao roteiro de Manoel Carlos. Porque Fernanda Young é impossível de definir. Seu pensamento é indomável, é extraordinária.
Assim também é Maria.
E assim, penso eu, somos todas nós: eu, Martha e Isabel, cujos destinos balançariam, ainda que não soubéssemos, depois daquele almoço.
Posso dizer, com certeza, que todas fomos afetadas pela sinceridade radical de Fernanda. Nada poderia permanecer igual depois deste encontro com ela.
Nada resta como antes: de sonho e de pó, de festa e de fim, essa lembrança se desfaz, se desmemoraliza enquanto a escrevo, atravessada por uma culpa tênue, a de não ter tirado mais fotos, feito mais elogios, ou mesmo de não ter acompanhado Fernanda até o aeroporto naquela tarde.
A felicidade, às vezes, se aprisiona numa redoma de vidro.
Um ponto incerto na memória. Um brilho esquivo no instagram.


