O novo romance de João Anzanello Carrascoza e sua precisão poética a cada palavra.
Por João Schlaepfer
João Anzanello Carrascoza dá continuidade à sua bem-sucedida sequência de lançamentos com Inventário do azul, pela Alfaguara.
A história – de mais de 300 páginas – é um contraponto aos seus lançamentos mais recentes, O armazém do sol (Faria e Silva), narrativa de quase 150 páginas; Tramas de meninos (Alfaguara), volume de contos; Utensílios-para-a-dor (Faria e Silva), obra em que exerceu a experimentação formal.
No entanto, ainda que seja um novo patamar de robustez e intensidade, Carrascoza não abre mão da sua escrita sutil, que comove e convida a olhares sensíveis e pontos de vista até então não explorados.
“Inventário do azul” se estende pelo longo processo que é o amadurecer. Desenha um arco de vida, do jeito que ela é: com suas idealizações não consolidadas, com as felicidades das pequenas coisas, com as melancolias das conquistas e expectativas.
Por isso, bom para começar é “O ponto de partida”. Sutil, direto, claro, sem rodeios. Cada página deste romance é preciosamente construída com palavras garimpadas a lupa. Afinal, seu compromisso com o leitor é sempre inexoravelmente tácito.
O Contrato que abre o livro pode ser também o contrato do próprio livro: “De um lado a Vida, a contratante; do outro lado ele, o contratado. As cláusulas estão lá, bem nítidas, determinando os deveres e direitos de ambas as partes em relação à obra, com especial atenção à data em que o contrato perde a validade. A data, contudo, não está definida — e, para ele, é nessa falha que residem as letras miúdas do destino, as rasuras do acaso e, sobretudo, o enredo da história (com seus espantos e suas maravilhas).”
O narrador sem nome traduz a parte morna que cada um de nós busca tão fortemente ocultar: “alegria é não esperar pela alegria, sequer cogitá-la, e, de repente, ela aportar, incontornável e avassaladora”.
Assim, pouco a pouco e com construções poéticas tão inovadoras quanto familiares – como “O pai, quando saía de casa para o trabalho, no útero da manhã, às portas do novo dia, caminhava de cabeça baixa, com o jeito de quem iria colher um contentamento.” –, Carrascoza ratifica seu nome na seleta lista de clássicos da contemporaneidade.
Um livro sobre a vida. Para a vida. E sobre o desafio de se fazer vivo. Um encontro que só acontece quando se perde.