21 de abril de 2020

O adeus a Rubem Fonseca

“Um ladrão é considerado um pouco mais perigoso do que um artista.” Rubem Fonseca

Por Felipe Maciel

No dia 15 de abril, às vésperas de completar 95 anos, Rubem Fonseca faleceu, após sofrer um enfarte, em sua casa no Rio de Janeiro. Zé Rubem – como o chamavam os mais chegados – mudou, sem qualquer exagero, a face da literatura urbana brasileira já a partir de sua estreia nas letras no início dos anos 1960, sendo apontado por seus pares como um divisor de águas.

Com um estilo sintético, coloquial, ácido, ágil e desbocado, sobressaiu-se, primeiro, como contista – em livros antológicos como Os prisioneiros (1963), Lúcia McCartney (1969), Feliz ano novo (1975) e O cobrador (1979). No entanto, sua ficção longa também ganhou notoriedade e imensa repercussão, a exemplo dos romances O caso Morel (1973), A grade arte (1983), Bufo & Spallanzani (1986) e Agosto (1990).

Seus personagens, amorais e solitários, são desprovidos de qualquer sentimento de culpa, revestidos por uma sombria densidade psicológica, que escancaram a violência crua da sociedade brasileira, calcada na desigualdade descomunal e no ódio. Fonseca centrou sua literatura retratando figuras humanas do submundo. Desfilam em sua obra criminosos, assassinos, detetives, cafetões e prostitutas. Sua linguagem pop, influenciada pela literatura e o cinema norte-americano, chocou os conservadores e foi censurada pela ditadura militar brasileira, o que não a impediu de se tornar profundamente popular, sendo por diversas vezes adaptadas para o cinema e a televisão, além de traduzida em diversos países.

Por todas essas razões, a partida de Rubem Fonseca estampou os jornais, revistas e portais de notícia do país, com uma série de homenagens, depoimentos e retrospectivas de sua obra. Leituras de seus textos por escritores, artistas e anônimos inundaram as redes sociais. Avesso notório aos holofotes, o autor entrou para o cânone literário pela originalidade de sua escrita, que, como poucas, caiu tanto no gosto popular quanto no dos críticos. Fonseca soube tematizar e trazer para a ficção o espírito de um novo tempo. E, mesmo depois de quase seis décadas do lançamento de seu primeiro livro, sua obra permanece extremamente contemporânea.

“Rubem Fonseca foi pioneiro ao captar e trazer para a literatura uma mudança fundamental do Brasil, com a transição de um país interiorano para a vida nas grandes metrópoles, o que trouxe como consequência a explosão da violência urbana. Fonseca representa não só a primeira resposta a esse fenômeno social, como até hoje a sua resposta artística não foi superada.”, concluiu o escritor e jornalista Sérgio Rodrigues em entrevista ao podcast da Folha de S. Paulo.


Em homenagem a Rubem Fonseca, selecionamos alguns depoimentos publicados na imprensa na despedida do escritor:

“Em sua obra escasseava a piedade, de que tinha nostalgia, para protagonizar às imperfeições humanas. Em seus termos, era um moralista latino, de molde clássico, e padecia, portanto, com o ser que éramos e que não quisera que fôssemos. Sua obra admirável é um brado à natureza secreto do humano.”
Nélida Piñon, escritora

“Considero única a obra do Rubem Fonseca na literatura brasileira. Todos os escritores da minha geração foram muito influenciados por essa voz literária e direta dele, que é como um soco no estômago.”
Tony Bellotto, escritor e compositor

“Quando ele me procurou e começamos a trabalhar juntos, descobri que, além de um magnífico escritor, era também um homem elegantíssimo, amável e bem humorado.”
Lucia Riff, agente literária

“Com Rubem, aprendi que escrever é cortar, deixar justo, seco e potente. Com Rubem, aprendi que brutalidade e poesia caminham lado a lado, e que escrever sobre violência é escrever sobre o ser humano.”
Raphael Montes, escritor e roteirista

“Rubem Fonseca foi um tapa na cara da elite leitora brasileira por tematizar a violência e a desigualdade.”
Paulo Scott, escritor

“Rubem Fonseca revolucionou a literatura brasileira ao criar um estilo próprio, cinematográfico e pungente.”
Daniele Cajueiro, editora

“Rubem foi o autor mais receptivo ao trabalho editorial que conheci. Aceitava facilmente as sugestões, não tinha vaidade nesta área e agradecia.”
Luiz Schwarcz, editor

“Ele foi prejudicado por rótulos como literatura policial, pornográfica, mas não era nada disso. Era uma literatura de voz única. Nunca deixei de ler, sem dúvida foi o autor que mais li na vida toda.”
Carlos Andreazza, editor


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