Por Felipe Maciel
Raimundo Gaudêncio de Freitas é o protagonista de A palavra que resta (Companhia das Letras), romance de estreia de Stênio Gardel. Aos 71 anos, “arredio ao toque do papel”, o personagem escreve seu nome pela primeira vez.
De seu pai, desde a infância, ouvia: “a letra era para menino que não precisava encher o prato”. Seu caminho já estaria traçado: trabalho duro para garantir a comida na mesa. Não havia espaço para a palavra, quase um capricho. Nem para o desejo, mero devaneio.
Mas sua vida não se curvou ao destino. Ao contrário, “se arrancou as raízes, levando no bolso da camisa a carta”. A carta a que se refere o narrador é a única presença física que Raimundo preserva de Cícero, um grande amor (proibido) da juventude. Raimundo a guardou para ler no dia em que pudesse decifrar cada palavra, uma seguida da outra. “A carta guardava uma vida inteira”.
A palavra que resta, a palavra que nos (re)constitui. Stênio a maneja com força e rara beleza.